terça-feira, 8 de novembro de 2011

são jorge ficou

a vida seguiu mas você não veio
ficou sentada no sofá da sala com as borboletas no meio
me pergunto quem dorme hoje naquele cantinho da sua cama
e quem desperta a paissandú com você no meio da noite
são jorge em cima do armário com o meu pedido especial
pra proteger e iluminar, fazer da vida o carnaval
luz que te guiou pra longe de mim
tranformou alegria em saudade sem meio e fim
não há volta, a vida pegou carona e seguiu
estendi a mão antes de partir, mas você não viu
eu sei que você chorou e que também sentiu
mas o destino quis assim, você no calor e eu no frio
lembro pois é impossível esquecer
os olhos azuis, o riso claro, a voz rouca e os cabelos cacheados
a vitrola que ficou vai cantar um dia uma canção pra nós dois
o refrão vai rimar sobre o tempo que passamos, que passou

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

quando eu for aí te visitar

qualquer dia eu apareço no portão trazendo comigo a minha barba
mais longa e viajada. atrás dela meu sorriso cheio de saudade
não vou avisar quando porque não quero nada especial
nem precisa caprichar no feijão e fazer aquela torta gelada
sinto falta é do todo dia. da rotina de você
esteja apenas pronta pra me abraçar e me dar colo
pra ouvir histórias ainda não contadas e ver fotos que nunca foram impressas
vou dormir até mais tarde e acordar com vontade do seu café
no som roberto carlos vai tocar bem alto
e as portas e janelas vamos abrir pro vento atravessar até o quarto
no almoço a gente tira o som da tv pra julia fazer graça
o pai vai repetir o prato e a letícia vai chegar atrasada
a tarde a gente fala mais, vamos passear
vou te comprar um presente antes de voltar

terça-feira, 25 de outubro de 2011

...

o segredo não é evitar o tombo
mas aprender a rimar depois da queda

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quem sabe

fica mais que ainda é de manhã
quero ver o sol batendo dentro dos seus olhos
acender a cor da minha inspiração
vou te dar bom dia e te servir café na cama
e ficaremos lá até o sol subir bem alto

fica que ainda é depois do almoço
quero te levar pra passear de mãos dadas
mostrar pro mundo como você sorri
vamos contagiar as pessoas com nossa alegria
e inspirar um beijo de um casal qualquer

fica que o sol já vai se pôr
quero perceber o laranja contrastando com o azul de antes
abraçar você e te proteger do frio
planejar um novo pôr do sol em algum outro lugar
pra somar à nossa coleção de aventuras

fica que já é hora de deitar
quero acariciar seu corpo e mais uma vez me apaixonar
admirar sua existência e conversar sobre o amanhã
fazer amor até a lua ceder sua vez
do seu lado ver um novo dia nascer

Adaptação

Um dia
E neste sonho que ele sonhava ele era feliz. Não sabia exatamente de onde vinha esta felicidade, mas sabia o que sentia. Uma certa leveza. A completa despreocupação de tudo e aproveitava cada instante e cada detalhe como se simplesmente respirar fosse o maior dos prazeres na Terra. Tudo lhe fazia bem.
Ao despertar ele não lembrou de nada. E ao abrir os olhos a primeira coisa que fez foi alcançar o Black Berry, já com a luz vermelha a piscar indicando email ainda não lido. Entre se vestir para ir pro trabalho e mastigar algo para o desjejum ele balbuciou algumas poucas palavras de fé em forma de oração. Escovou os dentes, arrumou o cabelo, passou perfume e saiu de casa.

Um tempo depois
A mesma rotina corrida e as mesmas preocupações. O que mudava era a saudade, que cada vez mais apertava mais no peito e ele sentia ainda mais forte. Mas neste dia, ao abrir os olhos ele não procurou o celular. Ao contrário, ele cerrou os olhos de novo e tentou meditar antes de se levantar. Desta vez não apenas balbuciou algumas palavras, mas evocou seu coração para conversar com Deus. Resultado talvez de um momento de desespero. Onde todas as esperanças já o haviam abandonado e ele se encontrava perdido e sem uma grande razão pra viver. Ele cerrou os olhos e abriu a alma. E a partir deste dia ele passou a viver o seu próprio sonho.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O amanhã será melhor

Ele estava sonhando um destes sonhos que a gente não se lembra quando acorda quando uma mão pequenina tocou a sua e o despertou. Não assustado, mas surpreso, abriu os olhos. Aos poucos focalizou um menininho com um sorriso assimetricamente banguela, faltando 2 dentes na parte de cima e 1 na parte de baixo. Olhos sujos de remela e cabelos desgrenhados. Porém era uma das coisas mais lindas de se ver. Pai, hoje é sábado. Vamos passear? Olhou para o lado e sua mulher estava ainda dormindo profundamente, com o rosto mergulhado no travesseiro. Arrumou delicadamente seus cabelos, lhe beijou o ombro e levantou.

Sob o sol nada tímido das 9h30 da manhã do Rio de Janeiro ele suava. Havia comprado, mesmo sobre a não aprovação dos avós, um skate para o pequenino. Eles passeavam juntos, deslizando sobre a via à beira do mar. Foram do Leblon ao Arpoador. Chegando lá colocaram suas coisas sobre as pedras e mergulharam. Nadaram e se divertiram por mais de 15 minutos. Pronto pra andar mais? No caminho de volta passaram na Maria Quitéria para um sorvete. De lá Foram para a Lagoa e deram uma volta quase completa até chegar no bowl, perto do clube Caiçaras. Arriscaram algumas descidas e uma ou outra manobra bem simples.

O relógio de rua já marcava 10 minutos para o meio dia e eles já estavam exaustos. Tomaram uma água de coco para hidratar e seguiram para a praia novamente. Vamos para o Henrique? Sua mãe já deve estar lá esperando por nós. Ela teria se juntado à eles no passeio de skate. Provavelmente montada na bicicleta pois o skate não era o seu predileto. Mas estava grávida de 5 meses. Uma menina. O segundo filho do casal. Os dois chegaram na praia e como sempre foram muito bem recebidos pelos amigos. Sua mulher está logo ali naquela sombrinha e já tem cadeiras pra vocês dois. Posso levar um coco pra cada um ou hoje vai ser o Guaraviton?

Eles estavam de mãos dadas e conversavam sobre a vida. Não esbanjavam dinheiro, mas tinham uma vida bem confortável. Planejavam o quarto da pequena. Moravam em um bom apartamento no Leblon, que ela conseguiu negociar por um ótimo preço. Viviam de aluguel, esperando passar o efeito Copa de Mundo e Olimpíadas que levou o preço dos imóveis lá nas alturas em toda a Zona Sul do Rio. Depois o plano era financiar uma casa na Gávea ou na Urca. Mas para isso precisariam economizar um pouco. Eles dividiram o jornal e enquanto ela lia o caderno Economia ele lia o Segundo Caderno. Faziam manobras pra virar as páginas, pois continuavam de mãos dadas. Enquanto isso o pequeno pegava ondas no raso com sua bodyboard. Nem se lembrava o quanto já havia andado de skate naquela manhã.

Quase 3 horas depois eles estavam entrando no carro. Forraram os assentos com toalhas por causa das roupas molhadas. No rádio Qinho assoviava uma canção de amor, cheia de poesia. Onde vocês querem almoçar hoje? Sua mulher disse que seria bom comer uma salada e uma quiche, mas o menino insistiu em ir no Mc Donalds. Por mais que os dois tentassem educar a alimentação do menino os amiguinhos da escola viviam falando sobre todas as franquias de fast food do mundo. Era difícil negar sempre, pois o menino não queria saber o que era colesterol, não se importava em comer gordura e simplesmente adorava Coca-Cola. A saída foi dizer que a irmãzinha que estava dentro da barriga da mãe precisava de algo saudável.

Quando chegaram em casa já estava ficando escuro. Ele foi dar uma ducha no menino enquanto ela entrava no banho em um outro banheiro. Após o banho o filho foi pro quarto e disse pro pai que queria desenhar um pouco. Tudo bem, eu vou tomar um banho e ficar um pouco com a sua mãe. Logo mais eu volto e vamos criar uma história juntos, o que acha? O garoto disse que tinha que ser uma história sobre leões, mas logo depois que disse isso adormeceu sobre os papéis e lápis de cor. Ele foi pro quarto e ela ainda estava no banho. Ele se juntou à ela e ficou admirando seu corpo grávido. Magra, porém com a barriga imposta para frente e os seios inchados. Linda, ele disse. Ela deu um sorriso como o do menino, espontâneo, mas que contava tudo. Ele entrou no banho junto dela e eles fizeram amor. Ele disse, eu te amo. Ela respondeu, eu também.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mais um dia

A tarde parece ter consumido a manhã. Chegou com pressa e levou o sol lá pra baixo fazendo cair a temperatura. O tempo todo do pouco tempo em que ele esteve acordado e ciente de si mesmo, ele pensava nela. E cada vez que lembrava dos seus beijos, do seu corpo e do sexo ele sentia uma porrada no estômago. Fazia o ar desaparecer e seu coração bater forte, mas tão forte que dava para sentir os batimentos cardíacos no seu pescoço, latejando sua memória, a mágoa... Evocando uma tristeza profunda e cheia de saudade.
Ela desistiu. Mesmo dizendo o amar ela desistiu. Ele sabia que seria difícil, mas nunca acreditou ser impossível. Fora ele tolo em acreditar que era amor? Em sua cabeça de vento ele pensava que seria para sempre. Da mesma forma que seu pai e sua mãe jamais deixariam de ser seus pais porque ele se mudou pra longe por um tempo. Ele pensou que a mulher de sua vida não deixaria de ser sua namorada pelo mesmo motivo. Isso é amor, ele pensava... isso sim é amor. Ele teria esperado uma vida inteira por ela e teria ido até o inferno se fosse preciso pra ficar junto dela um pouco, antes de regressar ao paraíso. Mas não foi assim que ela reagiu. Não se pode julgar os limites de ninguém.
A tarde cedeu a vez para a noite e ele de novo, nem percebeu. Esqueceu-se de tomar café e de almoçar também. Já se passaram 3 semanas quase que ele não tem qualquer notícia dela e faz mais de 2 meses que está longe. Ele perdeu 6kg, tem olheiras profundas e apesar de não ver o tempo passar, ele não dorme. Tem insônia. Mesmo com remédios tarja preta importados do Brasil... A situação está preta pra ele... Ou não? Dentro dele ainda há a fé. Apesar de ser hoje uma tímida lamparina no meio do breu ele ainda crê que algo bom lhe está aguardando. Ainda crê em Deus e em toda sua cavalaria de santos, anjos e espíritos. Qualquer forma de fé é válida, ele diz para os outros. Dentro de suas breves preces ele agradece pelos que jamais o abandonarão e convoca sua falange de luz. Pede proteção pra si próprio, pra família e também pra ela. Que ela encontre o seu caminho e que este caminho seja de muita alegria. Que ela possa nunca ter que enfrentar a solidão e que toda a tristeza que venha a acontecer na sua vida seja breve e passageira.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

caleidoscópio

tristeza é caco de vidro
caleidoscópio dolorido
arrependimento moído
dentro do peito
minha solidão

os pedaços que sinto
as lembranças que tenho
suas e nossas
felizes e juntos
arranham meu coração

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

num futuro provável

eu ouvi dizer que você está bem
que se casou, que teve filhos e que são gêmeos. não podiam não ser
sei também que você se deu muito bem na vida e que se tornou uma grande profissional
você sempre foi uma mulher e tanto
espero que o seu marido te ame tanto quanto eu
espero também que seus filhos tenham puxado você
que tenham os seus olhos, o seu sorriso e principalmente a sua simpatia
queria saber se depois de tantos anos ainda lembra de mim
preciso ser honesto, não há um dia da minha vida que eu não pense em você
me recordo de quando eu tive que ir pra longe, pra trabalhar, crescer, ganhar dinheiro...
e a ironia da vida me fez descobrir alegria na simplicidade
eu queria ter tanto
hoje tenho pouco
e é o suficiente
tenho alguns amigos e sempre haverá a família
está todo mundo ficando velhinho e vivem me cobrando que eu me case com alguém
conheci algumas pessoas, mas ninguém muito interessante
talvez na próxima vida, eu digo. já tenho o google
o google é um golden. lindo e uma simpatia
a julia, minha sobrinha já está na faculdade. se mudou pro rio
esqueci de contar, finalmente abri minha pousada
faz 4 anos que moro aqui
fica perto de trindade e é um paraíso
o nome é cajon & jurubebas... lembra?
aqui é muito simples e tudo gira ao redor da poesia e da música
tem um palco com violão, cajon, bongôs, microfone e tudo. tem hóspede que faz show pros outros
você acredita que o fil ficou aqui uns dias?
depois que ele veio a pousava vive cheia de famosos e aspirantes a famosos
saiu até numa matéria da revista trip
cajon & jurubebas virou recanto pra gerar arte
são 5 quartos e não vou aumentar mais que isso
tem uma biblioteca cheia de livros muito lidos e poucos ainda não lidos.
quem se hospeda sempre deixa um livro, uma poesia ou uma música. essa é a única regra aqui.
estou escrevendo, terminando meu terceiro livro
mais um romance
me inspiro olhando pro mar
tem que ver o google como fica feliz com as ondas
todos os dias corro com ele na beira da água e damos juntos um mergulho
faça chuva ou faça sol estamos na praia
temos tudo aqui
não falta nada
só você

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

casa

hoje falamos até demais e isso só pode ser uma coisa
saudade
minha
sua
do que foi e do que ficou
passei um tempo sem ver todos vocês
já estávamos longe
afastados pela distância
mas além de agora ser ainda maior
as horas mudaram
o dia pra mim ainda é noite pra vocês
enquanto sonho vocês ainda estão vivendo suas vidas
conversando, trabalhando, fazendo um lanchinho bom
vendo as graças da pequena julia
rindo
até falando sobre mim
imaginando como são as coisas por aqui
se eu passo frio, fome, se eu sofro de solidão
se eu estou comendo bem e se já fiz amigos
o que ele faz nos finais de semana?
e depois do trabalho?
já aprendeu a lavar e secar a roupa?
e a bicicleta?
e a máquina fotográfica?
já conheceu algum vizinho?
o que passa na tv? tudo em alemão?
sei que são inúmeras perguntas
sim, estou aqui, na metade do outro lado do mundo
mas estou aí também ao mesmo tempo
pensando em cada um de vocês
as vezes eu fecho meus olhos antes de levantar
e desejo boa noite pra vocês
peço proteção e me preparo para mais um dia
desta experiência incrível
fiquem tranquilos
estou bem
marquei até dentista pra próxima semana
nos veremos em breve
os dias passam rápido hoje em dia
esperem por mim
logo mais estarei de volta
pra comer feijão manteiga
pra assistir filmes de aventura e ficção científica
pra ouvir alanis e cantarolar em dueto
pra pegar no colo
pra comer fruta e ouvir roberto carlos
pra trocar ideia até sobre futebol
pra abraçar cada um
pra estar em casa novamente

domingo, 19 de junho de 2011

Domingo Carioca

O sol deu bom dia na vertical pela fresta de entre uma cortina e outra. Calor. Depois de quase um mês de finais de semana chuvosos ou frios. Hora de ir pra praia. Suco de laranja de caixa daqueles que vem com gominhos, um pão francês dormido com Qualy e uma fatia generosa de queijo supostamente light. Dentes escovados. Sunga, bermuda, camiseta, canga na mochila, livro (este não pode faltar). ‘Onde está a corrente da bicicleta?’. Óculos escuros Ray-Ban modelo wayfarer preto com desenhos vermelhos por dentro. Carteira, chaves na mochila antes de bater a porta. Tirar bicicleta do bicicletário do prédio. Cada dia mais enferrujada a bicicleta do vizinho. ‘Ô homi!’, grita o porteiro. ‘Bom dia!’, respondo.
MP3 ligado. ‘O que vou ouvir? Ah, Arnaldo Antunes.’ Definida a trilha sonora pro caminho até o posto “quase dez”. Isso mesmo, quase dez.
Mulher magra leva dois bacês, um preto e um marrom claro, cada um em sua respectiva coleira. Três índios vestidos a caráter tocam suas flautas, cantam na calçada para alguns curiosos. O cd está à venda e custa quinze reais. Uma menina de capacete rosa, cotoveleiras rosas, blusa rosa com estampa da Barbie, saia lilás, joelheira rosa e patins rosas bem baratos tipo Casa & Video, quase não desliza sobre o asfalto. Casal mineiro pede para senhora tirar fotografia e faz pose clássica, um ao lado do outro com sorriso. A foto provavelmente irá para o FB de ambos mais tarde no álbum “final de semana no Rio”. Um pai e uma mãe pedalam uma bicicleta de quatro rodas com toldo listrado de vermelho e branco. A filha bem nova sentada entre os dois não parece estar curtindo muito o passeio. ‘Opa! Opa! Cuidado!’. Quase atropelo uma senhora, que caminhava com outras duas senhoras. Se distraíam da solidão falando sobre a novela das oito que vai ao ar de segunda à sábado às nove. Passa uma bicicleta, passa um skate com cara bombado e tatuado em cima. No MP3 dele toca Iron Maiden, facha Number of the Beast baixada da Internet há quase quatro anos. Vontade de dar uma acelerada. A bicicleta reclama: “chirim, chirim, trech, chirim, chirim, trech”. Tem que jogar WD40 pra lubrificar. Uma mulher grita “Bernaaardo!!!” e puxa seu filho de aproximadamente três anos para si. A poucos centímetros passa um skate elétrico com um coroa metido a garotão em cima, rápido, tão rápido que até o coroa metido a garotão parece estar com medo do que está fazendo. ‘Vai dar merda’. Quase dez. Chegou. Acorrentar a bicicleta no poste. Tirar os chinelos. Desligar o MP3. Arnaldo cantava “sujar os pés na areia pra depois lavar na água...”. Parece que adivinhava.
‘Opa, sim uma cadeira, por favor!’. Sol fraco, mas o suficiente. Placa "Perigo. Correnteza!" espetada na areia quase em frente. O prédio com apartamentos de trinta milhões ainda nem ameaça fazer sombra. Praia relativamente vazia. Os amigos ainda não chegaram. A namorada vai chegar mais tarde. Ela sempre demora. Dá tempo de ler um pouco. Quarenta e duas páginas lidas. Óculos de volta ao porta-óculos, porta-óculos de volta à mochila. Descansar os olhos. Olhos fechados. Um homem passa gritando “Olha o mate, Ô limão”. Roupa laranja meio surrada. Tecido grosso. Deve esquentar. Os dois galões metálicos dispostos um em cada lado. Sob as alças, toalhas encardidas pra proteger os ombros. A cor prata dos galões brilha contra o sol e em alguns momentos fica branco, impossível de encarar. Machuca a vista. Teria que desviar os olhos se eles estivessem abertos. O barulhinho do gelo balançando lá dentro e fazendo suar por baixo onde o mate e o limão dançam em ritmo de passos cansados. Gruda areia ali embaixo. Passa o chato da “melhor mousse do Rio de Janeiro não sou eu que falo é o povo de Ipanema que diz”. Na verdade a mousse é dura e congelada, pouco saborosa. Sono. Muito sono. Antes de dormir um último pensamento: ‘Pelo menos não está na época do abacaxi. Aquele cara sempre me dá susto.’.
Trinta e oito minutos depois, olhos semi-abertos, suor na testa. Tirar a preguiça. Olhos abertos. Livro, óculos escuros. Olhos bem abertos. Mulheres velhas cheias de celulite. Mulheres da minha idade cheias de celulite. Meninas mais novas cheias de celulite. Todas as mulheres da praia cheias de celulite. Um vendedor de colares aborda: “hidropônica primo?”. ‘Não, obrigado’. “É da boa! Fuma não?”. ‘Não, obrigado.’. “Fuma, mas tá tranquilo, né?”. ‘Estou tranquilo’. Finalmente vai embora. Pombos cinza e roxo com algumas penas em tom verde metálico no pescoço ciscam farelos de biscoito O Globo. Passa velhinha catando latas de alumínio pra vender por quase nada. Passa senhora muito gorda andando com as pernas meio abertas. Deve estar assada. Passa o cara do queijo coalho. Passa o cara do camarão. ‘Detesto este cheiro’. Passa o cara do bronzeador. Passa o cara da esfiha. Passa o cara da água, Coca-Cola, mate, Guaraviton, H2O e Skol lata. Passa sucolé do Claudinho. ‘Tem de que?’. “Morango, morango com leite condensado, abacaxi com hortelã, chocolate, chocolate com coco, mousse de maracujá e coco”. ‘Tem de manga não?’. “Acabou”. ‘Então valeu, obrigado’. E segue o homem vendendo sucolé de vários sabores menos o que eu queria. Chega a namorada. Beijo. Algumas palavras. Beijo. Mãos dadas. Jornal. BlackBerry. ‘Ih olha lá o fulano!’. Cumprimento. Abraço. Dez ou quinze minutos de papo. ‘Valeu’. Namorada. Amigos. Risos. Mais risos. Mergulho. Fura onda. Fura outra onda. ‘Puta que o paril, está puxando o mar!’. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. ‘Tá puxando!’. Nada. Nada. Nada. Nada de costas pra variar. Nada de lado pra variar. Boia. Nada de lado de novo. Nada. Nada. Nada. Cansa. Boia. Boia. Adrenalina a mil. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Sai da água. ‘Porra!’ “Afih, afih afih, afih!” ‘Que merda, quase morri!’. Cadeira. ‘Mate!’ 80% mate, 20% limão. Chuveirada. O prédio com apartamentos de trinta milhões faz sombra. Frio. Camisa. Namorada com os seios arrepiados. Minha pele arrepiada. “Vai, te encontro mais tarde.”. Beijo. Beijo. Beijo. Mãos dadas. Pega o coco, o Guaraviton, O jornal O Globo da areia. Joga no lixo. ‘Quanto deu a conta hoje?’. Troco pra vinte. ‘Valeu, pra você também!’. Bicicleta ainda no poste. Que bom. ‘Onde pus a chave?’. MP3. ‘Arnaldo de novo, não. ’. Teatro Mágico, Entrada para Raros. Bato os pés pra tirar a areia. Chinelos. Ciclovia. “só enquanto eu respirar vou me lembrar de você só enquanto eu respirar...”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

conto rápido

meus pais já me flagaram na cama!
não era para eu estar dormindo até aquela hora.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

coube no meu apartamento de vinte metros quadrados

um casamento e um divórcio
hiperatividade e um pouco de ócio
amor e paixão
uma, duas, três e outras tantas
teve até ‘aquela vez...’
gula, dieta e balança
jazz, blues, rock, samba, choro e riso
coube prato quebrado, banheiro embaçado, cabelo cortado, joelho ralado, cair de cansado e caco de vidro
não coube fogão, lava roupas, lava louças, varal ou armário
coube suor mais vento, motivo de resfriado
coube café requentado, suco salgado, comida de mãe e de vó
coube dançar esquisito na frente do espelho
coube ficar só
coube esquecer luz acesa e ventilador ligado
coube ignorar televisão e idolatrar ar condicionado
coube parede pintada e pôster mal colado
coube prego fugir da parede e junto cair o quadro
coube dívida
coube dúvida
coube poesia
coube leitura
coube medo e coube também a fúria
coube término e coube pedido de desculpa
coube gerbil amigo, aranha malabarista, barata invasora e mosquito cantor
coube ligação de madrugada, pra gente querida, pra aliviar a dor
coube ser esquecido em plena sexta-feira
coube mofo, bagunça, sujeira e poeira. não coube faxineira
coube prancha de surfe, skate e saco de pancadas
coube banho demorado ao som de música mal cantada
coube chegar da praia, do cinema, da festa na casa de amigos e da namorada
coube bater porta com chave pra dentro, vestindo pijama de camisa listrada
coube isso
coube aquilo
caberia até muito mais
os 20 metros quadrados que vivo
na mudança deixo pra trás

segunda-feira, 18 de abril de 2011

minha jurubeba

jurubeba é chá pra acalmar e cachaça pra libertar
pra ser mais leve viver
pra sonhar
jurubeba é cidade pequena. é conversa que vale a pena
lembrar
querer mais
jurubeba é flor delicada de pétalas cheirosas
azuis da cor de quando olho pra cima
jurubeba é prato típico pra matar a fome
de vida e de saudade
jurubeba tem corpo talhado e cabelos dourados
como medalha de primeiro lugar
jurubeba é livro bom pra explorar antes de dormir
pra acordar do lado e querer mais
jurubeba é fazer tudo ao mesmo tempo
pra não ter do que reclamar
jurubeba é escova de dentes esquecida na pia
é sorriso maroto e voz rouca
que não sabe cantar
mas encanta, embala
e dá vontade de rimar

deitada

quando ele chegou ela já estava deitada.
olhos fechados. parecia descansar.
lhe disse olá, mas como dormia profundamente, ela não o respondeu.
com muito cuidado ele arrumou seus cabelos, tirando alguns fios que pousavam sobre sua face clara.
ainda sem despertá-la ele abotoou seu vestido, consertou o colar em seu pescoço e repousou sutilmente seus braços delicados um pouco abaixo dos seios.
assim você descansa melhor, ele disse.
ela não respondeu.
desejou-lhe boa noite mesmo assim, apagou as luzes e partiu do necrotério para encontrar sua namorada no parque.

sábado, 2 de abril de 2011

personagens do meu banheiro

Azulejo – Obsessivo por limpeza. Tem fobia a germes, bactérias e micróbios.
Privada – O oposto do azulejo. Sujo e sofre do mal de ‘Tourette‘.
Pia – Carente de atenção. Depressiva.
Espelho – Vaidoso. Egocêntrico. Narcisista.
Box – Maníaco sexual.

terça-feira, 1 de março de 2011

eu era criança e você já era você

lembro como se fosse hoje

sua casa com cheiro de pão fresco e fruta madura

dos acampamentos de cobertor e da rede que virava navio no sótão
retratos, esculturas, tintas, panos, trapos, quadros, pincéis, desenhos e retratos. perfumando, colorindo e desarrumando tudo a nossa volta

dos cipós e das pontes suspensas. das estradas de barro, de mato e de pedra. nossa coleção de aventuras

da areia branca, da água salgada, do picolé de coco e da duna gigante. subíamos sem fôlego e descíamos às gargalhadas.

dele. quem me ensinou pegar jacaré, tocar gaita e desenhar. e no dia que ele se foi e você chorou, eu não soube te consolar.

de você ganhava sempre pijama, brinquedo, pastel e manga. mas o que guardo comigo, que me deu de herança, é não ter tempo pra ver o tempo passar.

você fez meu pai só pra um dia ser minha avô. eu amo isso. amo você, minha avó.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

e tem outra opção?

preciso ir embora.
não aguento mais.
trabalho, trabalho, trabalho...
não preciso ser rico.
vou sair correndo.
virar mendigo.
sem reunião, sem cliente, sem chefe, sem desconto no IR, sem celular.
mendigo também não paga aluguel, não entra em cheque especial, não paga ipva ou seguro do carro.
mas por outro lado, ficar deitado o dia inteiro deve ser um saco.
bom mesmo é ser andarilho.
sim, esta é uma boa ideia.
vou andar
vou caminhando até um lugar bem lindo.
quantos dias eu vou levar andando até lá?
saco.
tenho que levar comida, né?
saco.
e saco de dormir, barraca de camping, lanterna, fogareiro...
saco.
não vou ser andarilho porra nenhuma.
vou de ônibus.
mas ônibus demora pra cacete.
saco.
vou de avião então.
saco, vou precisar de dinheiro pra ir de avião.
também não vou querer ficar dormindo em barraca de camping no meio do mato.
saco.
vou continuar trabalhando mesmo.
que merda de vida.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

receita

normalidade beira à doses homeopáticas de calmantes para dormir e antidepressivos para acordar.

convivência

ela é nada minha.
mas é tudo pra mim.

espaço

uma cama vazia.
cheia de solidão.

sem samba

o seu choro pra mim é bossa.

experiência

a diferença entre escrever e contar é que, pra contar, foi preciso viver a coisa.

pombos azuis

se na época houvesse twitter, quantos seguidores jesus teria?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ao contrário

viveria sempre sorrindo e uma vez ou outra apenas ficaria sério.
descometeria os erros que cometi.
desbeijaria e desamaria algumas mulheres.
veria ressuscitar meus avós e alguns amigos.
apagaria da memória todos os livros que li.
descriaria todos os textos que escrevi.
devolveria as palavras dos professores da faculdade e da escola.
assopraria toda a fumaça de toda droga que já me intoxicou na vida.
ficaria sóbrio de todo álcool que jamais beberia.
cuspiria toda a comida ruim que comi de volta ao prato e ao guardanapo.
colocaria casca nas frutas e guardaria a saliva que produzi quando as escolhi na feira.
desconheceria alguns amigos e dezenas de outras pessoas.
ficaria cru. vazio.
choraria nu.
voltaria pra dentro da minha mãe.
viraria um sonho.

quando fica tarde

Antonio concluiu que não havia amor para ele no mundo.
Decidido caminhou até o meio de uma ponte bem alta. Destas com pedras e águas rasas lá em baixo em sua sombra.
Se jogou rumo a uma nova chance, uma nova vida, quem sabe, de amor.
Coincidentemente na mesma ponte à alguns metros de Antonio, Natacha se jogava ao mesmo instante, também por falta de uma razão de viver.
No ar os dois viram um ao outro. Seus olhos se encontraram e algo dentro deles despertou.
Era amor. Ambos tiveram certeza.
E então, o chão.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

No fim somos todos iguais

Homens. Depois que deixam os bonequinhos articulados com 67 acessórios que se transformam em armas lasers, jatos portáteis e mísseis teleguiados eles só pensam em SEXO. Mulher pelada, mulher transando, filme de sacanagem e muita, mas muita punheta. Se reparar bem vai ver que tem adolescente com músculos altamente desenvolvidos em um dos braços de tanta punheta que bate. Até depois que começam de fato a transar eles batem punheta. Acho que batem punheta até sobre bater punheta. Deve ser assim: ah, que carro legal. Batem uma. Ganhei aumento no trabalho: punhetinha. O meu time ganhou: punheta. O almoço estava bom: punheta. A punheta foi boa: punheta de novo. Tudo é punheta! Esperançosamente pros homens tudo acaba em sacanagem. Ou uma punheta no chuveiro.
Mulher gosta de transar também. E não tem essa que homens fazem sexo e mulheres fazem amor. Eu gosto de dar. E muito. Mas não dou pra qualquer um. Só pra qualquer um que me dá tesão. Mas tem uma coisa que nós mulheres sabemos controlar melhor: não tocamos tanta siririca quanto os homens a punhetinha. Eu prefiro dar mesmo. E quando não tem nenhum homem disponível pra me comer – que cá entre nós é quase impossível – eu apelo pro “Tonhão”. A gente se conheceu faz um tempo e ele me entende como ninguém. Só preciso trocar a pilha dele de vez em quando.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

‘Despopularize’, por favor

Não sei se você já percebeu, mas Buenos Aires é a nova Búzios!
Quantos dos seus conhecidos foram para a Argentina nos últimos meses?
Viu?!
Há uma semelhança incrível entre os dois lugares:
Ambos ficam perto da sua casa;
Dá pra ir pra lá num final de semana e sem precisar gastar muito;
Provavelmente ao chegar lá você vai encontrar o seu vizinho.
Ou alguém do seu trabalho.
Nos dois lugares tem muito argentino andando na rua.
E brasileiro também.

A merda é que eu gostava de ir pra Búzios. Assim como eu gostava de ir pra Cabo Frio, que acredite ou não, já foi sinônimo de beleza e de pessoas bonitas andando nas ruas. Não sei o que acontece, mas quando mineiros, paraíbas, paulistas, cariocas e argentinos... enfim, quando todo mundo no mundo decide ao mesmo tempo que determinado lugar é "o lugar", o paraíso vira farofa. Decai. Vira lixo e brota gente esquisita por todo o lugar. Confesso, tenho aflição de gente feia. Muita gente feia junto me dá pânico. Não, não sou bonito. Talvez por isso mesmo eu goste de ter sempre gente bonita ao redor.

Enfim, fiquei triste por perder Cabo Frio. Tenho casa lá até hoje, mas visito pouco. Fiquei triste por perder Búzios também.
Queria só registrar aqui que tudo bem a gente dar uma "brasileirada" ou seja lá o quê na capital da Argentina. Talvez tenham sido os argentinos que chegaram primeiro em Búzios, em Cabo Frio e levaram consigo todo o resto.
Então, vai mesmo pra Argentina!
Come frango com farofa e guaraná 2 litros na Feira de San Telmo. Dá uma mijadinha ali na porta da Casa Rosada. Vende churros na porta do Café Tortoni e cd de sertanejo universitário na entrada do Asia de Cuba em Porto Madeiro. Exponha colares naturais coloridos feitos por você na Recoleta, ao lado da Rosa de Metal. Pode até tirar um cochilo dentro do seu ônibus de excursão no estacionamento do Malba. De verdade, pouco me importa.

Mas porra, me devolve Cabo Frio e Búzios!!!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

"eus"

em apneia no oceano dos meus pensamentos.
quanto mais profundo mergulho em mim mesmo, mais desesperado fico para emergir à realidade.
pressuponho que todo mundo precisa de ar pra viver.
mas lá embaixo é tão silencioso...
e lá embaixo habitam tantos seres (“eus”) diferentes e prazerosos de conhecer...
que caminhar novamente sobre a superfície de águas turbulentas, que é o cotidiano, me causa náusea e mal estar.
por isso ando sempre a retomar o fôlego e a me descobrir um pouco mais.
queria passar mais tempo lá no fundo e me saber por completo.
mas ouvi dizer que faz mal prender a respiração por muito tempo.
e que existem pessoas, que de tanto aventurarem-se em si, acabam ancorados lá pra sempre.
conhecem-se a si mesmos como só elas.
mas como seres submersos que passaram a ser, não mais ouvem ou enxergam ninguém.
pois bem lá no fundo de nós mesmos, dizem, não há muita luz.
e a quietude chega a ser ensurdecedora.

acompanhado

engraçada a solidão
quanto mais tempo ela fica
mais a gente pensa que ela é nossa companhia