domingo, 19 de junho de 2011

Domingo Carioca

O sol deu bom dia na vertical pela fresta de entre uma cortina e outra. Calor. Depois de quase um mês de finais de semana chuvosos ou frios. Hora de ir pra praia. Suco de laranja de caixa daqueles que vem com gominhos, um pão francês dormido com Qualy e uma fatia generosa de queijo supostamente light. Dentes escovados. Sunga, bermuda, camiseta, canga na mochila, livro (este não pode faltar). ‘Onde está a corrente da bicicleta?’. Óculos escuros Ray-Ban modelo wayfarer preto com desenhos vermelhos por dentro. Carteira, chaves na mochila antes de bater a porta. Tirar bicicleta do bicicletário do prédio. Cada dia mais enferrujada a bicicleta do vizinho. ‘Ô homi!’, grita o porteiro. ‘Bom dia!’, respondo.
MP3 ligado. ‘O que vou ouvir? Ah, Arnaldo Antunes.’ Definida a trilha sonora pro caminho até o posto “quase dez”. Isso mesmo, quase dez.
Mulher magra leva dois bacês, um preto e um marrom claro, cada um em sua respectiva coleira. Três índios vestidos a caráter tocam suas flautas, cantam na calçada para alguns curiosos. O cd está à venda e custa quinze reais. Uma menina de capacete rosa, cotoveleiras rosas, blusa rosa com estampa da Barbie, saia lilás, joelheira rosa e patins rosas bem baratos tipo Casa & Video, quase não desliza sobre o asfalto. Casal mineiro pede para senhora tirar fotografia e faz pose clássica, um ao lado do outro com sorriso. A foto provavelmente irá para o FB de ambos mais tarde no álbum “final de semana no Rio”. Um pai e uma mãe pedalam uma bicicleta de quatro rodas com toldo listrado de vermelho e branco. A filha bem nova sentada entre os dois não parece estar curtindo muito o passeio. ‘Opa! Opa! Cuidado!’. Quase atropelo uma senhora, que caminhava com outras duas senhoras. Se distraíam da solidão falando sobre a novela das oito que vai ao ar de segunda à sábado às nove. Passa uma bicicleta, passa um skate com cara bombado e tatuado em cima. No MP3 dele toca Iron Maiden, facha Number of the Beast baixada da Internet há quase quatro anos. Vontade de dar uma acelerada. A bicicleta reclama: “chirim, chirim, trech, chirim, chirim, trech”. Tem que jogar WD40 pra lubrificar. Uma mulher grita “Bernaaardo!!!” e puxa seu filho de aproximadamente três anos para si. A poucos centímetros passa um skate elétrico com um coroa metido a garotão em cima, rápido, tão rápido que até o coroa metido a garotão parece estar com medo do que está fazendo. ‘Vai dar merda’. Quase dez. Chegou. Acorrentar a bicicleta no poste. Tirar os chinelos. Desligar o MP3. Arnaldo cantava “sujar os pés na areia pra depois lavar na água...”. Parece que adivinhava.
‘Opa, sim uma cadeira, por favor!’. Sol fraco, mas o suficiente. Placa "Perigo. Correnteza!" espetada na areia quase em frente. O prédio com apartamentos de trinta milhões ainda nem ameaça fazer sombra. Praia relativamente vazia. Os amigos ainda não chegaram. A namorada vai chegar mais tarde. Ela sempre demora. Dá tempo de ler um pouco. Quarenta e duas páginas lidas. Óculos de volta ao porta-óculos, porta-óculos de volta à mochila. Descansar os olhos. Olhos fechados. Um homem passa gritando “Olha o mate, Ô limão”. Roupa laranja meio surrada. Tecido grosso. Deve esquentar. Os dois galões metálicos dispostos um em cada lado. Sob as alças, toalhas encardidas pra proteger os ombros. A cor prata dos galões brilha contra o sol e em alguns momentos fica branco, impossível de encarar. Machuca a vista. Teria que desviar os olhos se eles estivessem abertos. O barulhinho do gelo balançando lá dentro e fazendo suar por baixo onde o mate e o limão dançam em ritmo de passos cansados. Gruda areia ali embaixo. Passa o chato da “melhor mousse do Rio de Janeiro não sou eu que falo é o povo de Ipanema que diz”. Na verdade a mousse é dura e congelada, pouco saborosa. Sono. Muito sono. Antes de dormir um último pensamento: ‘Pelo menos não está na época do abacaxi. Aquele cara sempre me dá susto.’.
Trinta e oito minutos depois, olhos semi-abertos, suor na testa. Tirar a preguiça. Olhos abertos. Livro, óculos escuros. Olhos bem abertos. Mulheres velhas cheias de celulite. Mulheres da minha idade cheias de celulite. Meninas mais novas cheias de celulite. Todas as mulheres da praia cheias de celulite. Um vendedor de colares aborda: “hidropônica primo?”. ‘Não, obrigado’. “É da boa! Fuma não?”. ‘Não, obrigado.’. “Fuma, mas tá tranquilo, né?”. ‘Estou tranquilo’. Finalmente vai embora. Pombos cinza e roxo com algumas penas em tom verde metálico no pescoço ciscam farelos de biscoito O Globo. Passa velhinha catando latas de alumínio pra vender por quase nada. Passa senhora muito gorda andando com as pernas meio abertas. Deve estar assada. Passa o cara do queijo coalho. Passa o cara do camarão. ‘Detesto este cheiro’. Passa o cara do bronzeador. Passa o cara da esfiha. Passa o cara da água, Coca-Cola, mate, Guaraviton, H2O e Skol lata. Passa sucolé do Claudinho. ‘Tem de que?’. “Morango, morango com leite condensado, abacaxi com hortelã, chocolate, chocolate com coco, mousse de maracujá e coco”. ‘Tem de manga não?’. “Acabou”. ‘Então valeu, obrigado’. E segue o homem vendendo sucolé de vários sabores menos o que eu queria. Chega a namorada. Beijo. Algumas palavras. Beijo. Mãos dadas. Jornal. BlackBerry. ‘Ih olha lá o fulano!’. Cumprimento. Abraço. Dez ou quinze minutos de papo. ‘Valeu’. Namorada. Amigos. Risos. Mais risos. Mergulho. Fura onda. Fura outra onda. ‘Puta que o paril, está puxando o mar!’. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. ‘Tá puxando!’. Nada. Nada. Nada. Nada de costas pra variar. Nada de lado pra variar. Boia. Nada de lado de novo. Nada. Nada. Nada. Cansa. Boia. Boia. Adrenalina a mil. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada. Sai da água. ‘Porra!’ “Afih, afih afih, afih!” ‘Que merda, quase morri!’. Cadeira. ‘Mate!’ 80% mate, 20% limão. Chuveirada. O prédio com apartamentos de trinta milhões faz sombra. Frio. Camisa. Namorada com os seios arrepiados. Minha pele arrepiada. “Vai, te encontro mais tarde.”. Beijo. Beijo. Beijo. Mãos dadas. Pega o coco, o Guaraviton, O jornal O Globo da areia. Joga no lixo. ‘Quanto deu a conta hoje?’. Troco pra vinte. ‘Valeu, pra você também!’. Bicicleta ainda no poste. Que bom. ‘Onde pus a chave?’. MP3. ‘Arnaldo de novo, não. ’. Teatro Mágico, Entrada para Raros. Bato os pés pra tirar a areia. Chinelos. Ciclovia. “só enquanto eu respirar vou me lembrar de você só enquanto eu respirar...”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

conto rápido

meus pais já me flagaram na cama!
não era para eu estar dormindo até aquela hora.