quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

a pequena anti-cristo

é bem comum vermos pessoas que não tem muita afinidade com qualquer religião se intitularem católicas. é quase o flamengo do futebol. é do povão. não precisa torcer, cantar o hino e nem freqüentar o maracanã pra dizer que é flamenguista. sim, sou tricolor. mas esta história nada tem a ver com time de futebol.

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Rio de Janeiro. 1992.

uma família tradicional, católica de freqüentar a igreja e saber o nome do padre da missa das 18h de domingo resolveu catequizar sua filha, a eva. para isso a matricularam num cursinho da escola e eva faria então sua primeira comunhão.

eva era uma criatura de 9 anos. loirinha, magrinha, de olhinhos puxados. extremamente sapeca, criativa e atenta. após assistir durante 2 meses as curiosas aulas nas suas antigas e divertidas tardes de sábado, eva se sentia pronta para o grande dia de sua primeira comunhão.

padres, assim como presidentes da república, deveriam fazer aulas de etiqueta. é preciso saber falar. sem assustar. e sem envergonhar também.
padre miguel, não àquele da missa das 18h de domingo que os pais de eva adoravam ouvir falar, mas um outro padre, foi o responsável pela missa daquela manhã. este era ranzinza e estava na cara que resolveu ser padre também para não ser obrigado a casar com uma mulher faladeira, ter filhos e ter que a aturar crianças por perto.

pais, avós, tias, primos barulhentos, amiga do filho do marido da professora de natação. todos estavam presentes para ver a pequena eva beber o vinho e receber a hóstia pela primeira vez em sua pequenina vida. muitos flashes de máquinas fotográficas foram disparados na entrada da igreja, fazendo despertar até os mais sonolentos pombos que descansavam sobre a soleira da grande porta.

o sonho de todo o investimento dos pais de eva era ver sua filhinha ter mais fé e saber todas as respostas para as perguntas ou deixas dos padres. por exemplo, quando o padre fala "nosso coração está em deus", a resposta é "ele está no meio de nós". enfim, eva soube todas as respostas. todos estavam muito orgulhosos. eva será uma menina de muita fé em deus, dizia sua avó.

a missa estava indo muito bem. uma freira baixinha de sotaque nordestino organizava a fila das crianças para em breve, comungarem pela primeira vez. eva era uma das primeiras crianças da fila. orgulhosa por ter respondido de imediato todas as perguntas do padre com cara de mau, estava ereta e extremamente concentrada. foi quando padre miguel com sua voz grave e seca disse bem alto, como um olhar quase ameaçador à percepção de eva: crianças. é chegada a hora de provarem do corpo de cristo e do sangue de cristo!

pronto. a pequena eva logo imaginou jesus sendo fatiado e separado em pedacinhos, cujos quais ela agora provaria um. imaginou também que todo aquele sangue que jesus derramou para salvar o povo judeu e trazer a palavra de deus ao mundo fora separado em cálices, sendo que um deles estava bem diante dos seus olhos. o padre com cara de mau era sem sombra de dúvida um dos cúmplices de tal atrocidade. eva chorou copiosamente e amaldiçoou seus pais, seus primos barulhentos, a amiga do filho do marido da professora de natação e todos os seus amiguinhos ali presentes. deixou a igreja correndo em prantos e jurou que dali em diante seria tudo, até anti-cristo, menos católica.

Um comentário:

  1. O Catolicismo também me assusta às vezes. Mas não é só ele não, todas as outras religiões também. É inacreditável o tanto de atrocidades e idiotices cometidas 'em nome de Deus'.

    Beijo beijo beijo.

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