terça-feira, 30 de março de 2010

promessas pra casar e filmes mela-cueca

Charlote estava decidida que aquele buquê seria seu. Até treinar uns saltos em casa Charlote o fez para voar mais alto que todas e agarrar o buquê da noiva quando fosse arremessado. Mesmo se este ainda estivesse bem no alto. Afinal de contas, tinha já seus 29 anos e aquele era o 4o casamento de amiga que ela iria aquele ano.

Chegou então o fatídico e esperado momento: o dia do casamento. Os noivos foram publicamente declarados marido e mulher por um padre com cara de técnico de futebol. Algumas mulheres estavam com maquiagens borradas pois se emocionaram ao ouvir os votos da noiva, enquanto que os amigos do noivo, já um pouco cansados daquilo tudo, cochichavam entre si sobre as damas de honra gostosas. Charlote não imaginava, mas era uma dessas gostosas citadas no papo dos rapazes. Alienada aos olhares alheios, encarava desafiadoramente quase todas aquelas mulheres que ameaçavam pegar o buquê em seu lugar. Só não estava de fato preocupada com a presença de uma gordinha de braços pesados. Esta jamais alcançaria o prêmio. Mesmo que este fosse jogado a centímetros acima de sua testa.
O frenesi era evidente. No fundo uma senhora passava mal por lembrar-se do 4o casamento da sua filha do meio. Um dos padrinhos constatou que a dama de honra ruiva era famosa por transar com qualquer um que lhe pagasse uma dose de tequila – homem ou mulher – reforçou ele. E em uma das mesas próximas ao bar o filho de alguém tirava meleca e colava no vestido de seda alugado da mãe.
Charlote não percebeu nada daquilo. Em sua mente estava apenas a imagem do buquê voador. Depois de pegá-lo não mais correria o risco de ser chamada de encalhada por suas amigas que já haviam feito juramentos matrimoniais e assinado a ‘porra’ dos papéis. Estas já estavam livres deste fardo.
A noiva, extremamente feliz e hipnotizada por aquele tão esperado dia, irradiava uma beleza incontestável. Seu sorriso já fazia doer as bochechas rosadas, porém era impossível deixar de sorrir sem descanso. Ficou de costas para suas amigas, familiares, namoradas penetras de amigos e contou bem alto antes de jogar o buquê: – 1, 2, 3 e... JÁ!

Se fosse possível ouvir os pensamentos de Charlote naquele momento, em sua mente tocava a música de CARMINA BURANA. Enquanto o buquê iniciava a decolagem nas mãos da noiva, Charlote percebeu que havia se posicionado mal. Rápida como trovão saiu correndo por sobre o salão atropelando inclusive a mãe da noiva – o que esta velha está fazendo aqui se ela já é casada e tem 2 filhos? Teve tempo pra se questionar. Usou uma cadeira como apoio e pulou sobre uma meia dúzia de desesperadas. Bem menos que ela, claro. Lá de cima avistou o almejado objeto: colorido e cheio de flores que Charlote não sabia mencionar sequer o nome de uma delas. Jamais pensara nele como um simples arranjo florido, mas sim como um homem lindo, malhado, inteligente, generosamente rico e bom de cama que se casaria com ela antes de levá-la em lua de mel por toda a Europa. O agarrou forte com as duas mãos e por alguns segundos tudo à sua volta pausou.

Charlote não se dera conta que sua manobra usando a cadeira para impulsiona-la para o alto funcionara performaticamente bem. Contudo, ela estava agora tão acima do chão que com as duas mãos agarradas no seu prêmio, não tinha como pousar em segurança no piso de mármore da chique casa de festas. Se ainda tivesse sobrevoado a gordinha de braços curtos, esta lhe serviria para amortecer a inevitável queda. Mas a roliça senhora nem sequer estava à vista.
Tudo isso passou pelos pensamentos de Charlote nos centésimos de segundos que ela se encontrava suspensa no ar. Estranhamente lembrou-se dos seus pais e do seu cachorro, o Jota. Todos, sentados no sofá bege da sua casa, sorriam para ela nesta rápida lembrança. E como se tivesse tomado uma dosagem de remédios para dormir maior do que a recomendada pelo médico, tudo ficou calmo e em profundo silêncio.

Ao cair no chão ouviu-se um barulho de ossos quebrando e alguém gritou ao fundo: ela quebrou o pescoço! Uma mulher, que era médica – embora tivesse cara de enfermeira de C.T.I. de hospital público da baixada fluminense – disse baixinho com lágrimas nos olhos: ela quebrou a coluna. Não sente nenhuma dor, mas vai morrer em poucas horas. Chamem uma ambulância, mas não tentem remove-la do chão ou a morte lhe será instantânea. Dramatizou olhando para o teto quando disse as palavras ‘morte’ e ‘instantânea’.
E foi ali mesmo no meio do salão, sobre enorme pressão dos espectadores que a aleijada, anestesiada e à beira da morte Charlote disse para quem quisesse ouvir o que acreditava ser suas últimas palavras:

– Eu tanto quis um amor em minha vida. Agora que tenho o buquê em minhas mãos não tenho mais tempo para que o bendito me encontre.

Kevin, um dos amigos do noivo, secreto romântico e poeta, havia dado especial atenção à Charlote. Ele enxergava nela uma beleza exótica. Embora ela agisse de forma estranha, segundo os padrões das mulheres que ele se interessava e mantinha casos passageiros, esta mulher era de especial beleza. Para ele.
Então, num ato digno de final de comédia romântica, Kevin ajoelhou-se diante de Charlote e disse: – Não morra ainda, Case comigo. Embora tenhamos apenas alguns minutos e não seja possível termos uma lua de mel, eu prometo te fazer a mulher mais feliz do mundo, mesmo que só por estes poucos minutos.
Charlote mal podia acreditar: morreria em breve, mas casada. E com um belo e romântico rapaz. Bendito e maldito buquê ao mesmo tempo! – SIM! Charlote disse ao rapaz, que ouvindo sua resposta, correu atrás do padre com cara de técnico de futebol e o fez casar-se com Charlote. Ali mesmo, no chão do salão da festa.
Após o padre os declarar marido e mulher, ou no ponto de vista dele, viúvo e mulher, Kevin beijou sua noiva quase já sem vida. 28 minutos depois os paramédicos chegaram preparados para transportar o corpo de Charlote em um daqueles sacos pretos que vemos em reportagens policiais. Em algumas semanas surgiriam boatos de que Charlote fora enterrada com o buquê nas mãos, pois nem com reza braba conseguiram fazê-la largar o amaldiçoado objeto.

Seria mais feliz se o pescoço de Charlote de fato não tivesse quebrado e fosse o barulho de osso quebrando, o de outra convidada gordinha mordendo um dos acepipes do farto buffet? E além disso, a razão do black-out de Charlote, um momento de forte emoção que lhe tirou da realidade por alguns segundos? Sim, com certeza um final menos trágico para a coitada, encalhada e desesperada Charlote. E assim foi. Ela estava bem e sobreviveria!

Ainda deitada decidiu que mudaria imediatamente o seu atual círculo de amizades. Logicamente evitaria dali por diante todas as pessoas que estavam naquele casamento. E recusaria ir à todos os próximos casamentos os quais fosse convidada. Suspeitosamente não mais recebera um convite de casamento sequer por longos anos.

Mediante da notícia que Charlote estava bem e que sobreviveria; Kevin, agora seu marido, estremeceu. Casara-se por um impulso romântico. Acreditava que no fundo este ato impensado de amor lhe renderia boas poesias para seu blog que ninguém visitava. Kevin não esperava que sua esposa vivesse mais que algumas horas ao seu lado. Como encarar o amor que deveria durar muito mais que seus casos passageiros? Para Charlote, mais rápido que o casamento chegou-lhe também o divórcio.
Pouco tempo depois 3 das suas 4 ex-amigas que se casaram àquele ano também se divorciaram. Mas Charlote nunca ficou sabendo.

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Não existe buquê mágico. Não existe tal coisa como príncipe encantado ou médico rico, generoso, com um pênis gigante e bom de cama ao mesmo tempo. Assim como não existe uma mulher super-gostosa, gata, de olhos claros, de cabelo bom, que saiba se vestir, inteligente, divertida, sem frescuras e que além de querer fazer sexo todos os dias goste de praticar sexo oral no seu companheiro. Existe sim o ‘acaso’ e existe sim o ‘destino’. Mas não se muda o destino e não se provoca o acaso colocando uma imagem de Santo Antonio de castigo dentro do congelador, fazendo promessas mirabolantes, investindo em charlatões que prometem “trazer a pessoa amada” em poucos dias ou colocando contra a parede todas as pessoas que passarem pela sua cama.

Será que ninguém entende que amor de verdade é bem diferente do que encontramos em páginas de romances improváveis e cenas de filmes mela-cueca?

4 comentários:

  1. Charlote hoje vive por aí. Aos montes. São Anas, Camilas, Danielas, Tatianas, Gabrielas, Marias, Amandas, Andréias, Vanessas, Robertas, Patrícias, Letícias, Alines, Mônicas, Biancas, Olívias, Eduardas, Fávias, Julianas, Carolinas, joanas, Paulas, Kátias, Fernandas, Silvanas, Carlas, Lívias, Elisas, Nathálias, Brunas...

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  2. Excelente texto Dunley!!
    Vou recomendar a umas amigas esquisitas! hehehe
    Abs!

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  3. Príncipes como nos contos de fada de fato não existem. Na verdade são "sapos" cuja beleza só é vista por quem sabe procurar. Às vezes o amor está tão perto, mas não somos capazes de reconhecê-lo porque vivemos nessa busca frenética de um amor perfeito, tão minuciosamente descrito nos romances e nos filmes mela-cueca como você mencionou.

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  4. de tanto esperar príncipes encantados e princesas de contos de fadas, muita gente, seja mulher, homem, viado e sapata acabam assumindo uma suposta felicidade com a primeira, segunda ou vigésima sétima pessoa que lhe apareça com qualquer coisa em comum. quantos divórcios não vemos acontecer? em rodas de amigos, na família, nos livros e até nos filmes de hollywood?

    d,f.

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